Onde eu moro, só vive gente da pior estirpe. Gentinha mesmo. Com efeito; desde os meus inocentes dezessete anos consumo frequentemente maconha – não deve, inclusive, ser difícil imaginar que eu a tenha mesmo acabado de consumir, não é? Quem sabe? Contudo, note que vivo em um prédio – um prédio familiar.
Não é um edifício qualquer, de oito, dez andares, elevadores, e um outorgado intercâmbio de intimidades entre seus habitantes tão abrangente, que se configura vã a tentativa de um morador indentificar na sua, a intimidade dos vizinhos. Aquelas paredes fininhas, caixotes de papelão amontoados às alturas, em que um encaixotado se preocupa – ou não, não se procupa – ao assoar-se na madrugada, enquanto deseja Saúde! a outro, que espirra cinco andares acima.
Não, tão obscena convivência é ainda comoda se comparada à de um prédio pequeno. Nesses específicamente, é cobrado, além do condomínio, o decoro. Sabe como é, decoro de cidade de interior, todo mundo sabe de todo mundo, critica e, o pior, se mete nas vidas alheias. Vão generosamente oferecendo aos demais organismos de seu aconchegante microcosmo seus bons-costumes.
Então, perceba, as famílias que, em tais circunstâncias, dividem esse modestíssimo edifício com a minha humilde pessoa, conhecem e sentem-se prejudicadas com meu nefasto hábito. Comentam às escondidas e, – não seria paranóia de minha parte especular – tramam contra meu vício. Mas nada além disso! Elas nem chamam a polícia! Aí é que está!, gentinha, não porque abominem minha prática ofensiva ao bem comum e muito menos por covardia – afinal que grande mal eu poderia lhes causar em troca?; é que suas pequeníssimas revoltas para comigo não duram após um pouco de tevê no sofá, enquanto coçam refasteladamente suas bundas à exautão. Então eu continuo fumando. E, volta-e-meia, sopro tudo debaixo da porta deles. Viva o Ed. Santa Marcelina, Eduardo Gomes, 181.