Sem entrar no mérito filosófico da questão – mas sei lá se é possível falar disso sem recorrer mesmo que ligeiramente a desgastados expedientes filosóficos –, faz já uns seis messes que eu acho que deixei de existir. Fantástico, não? Tenho tido a cada vez mais nítida impressão de simplesmente não-ser. Tem me parecido que as pessoas olham através de mim – porque com aquela cara, não pode ser que estejam olhando pra mim –, pra algo muito interessante que se passa alhures e que nem sequer perceber eu consigo. Faz parte da não existência, além de não ser enxergado, não poder ver também o que se passa com os que existêm solidamente e cheios de certeza no mundo; alguns espetáculos, e a atenção vítrea que se lhes deve prestar, destinam-se somente a certos olhos. Tenho experimentado também a sensação de que, as palavras que parecem ter-me sido dispensadas são, na verdade, construções aleatórias que se encaixam em qualquer situação e servem a qualquer propósito – e inclusive nenhum –, jogadas ao vento e ao acaso e não em resposta a qualquer coisa que eu digo – e aqui vem o terceiro aspecto dessa questão: será que eu digo alguma coisa mesmo ou são também as minhas palavras aglomerações espontâneas, sem sentido e sem porquê? De tanto ouvir nada comecei a dizer nada? Pior: sempre disse nada e só agora me dou conta? E, ainda que eu diga mesmo alguma baboseira que seja conscientemente construída e que tenha alguma lógica pelo menos pra mim, seja mesmo aquilo que eu imagino que estou dizendo, ainda assim, será que alguém ouve? Ou será a minha voz muito insignificante pra que as pessoas se dêem ao trabalho de tentar escutá-la quando eu mexo desesperadamente meus lábios feito um idiota?
Ah, deixa pra lá; por mais sincera que seja, essa história já é muito batida mesmo. Deve ser sono. Se por acaso, ao contrário de minhas palavras ditas, essas aqui puderem ser percebidas, se assim for, por favor leitor, desconsidere.
É, é só o sono. Que besteira!; todo mundo existe não é mesmo?