Hora do rush. Estava eu, depois do trabalho, indo pra faculdade pela segunda vez no dia, pensando que, se ir àquilo lá uma vez é dose, imagina duas. Contava quantas dessas terças e quartas-feiras de tripla jornada me separavam das férias de apenas uma – a de trabalho. Contava também quantos minutos me separavam de meu fatídico destino, procurando saber qual o tamanho do meu atraso e lamentando o fato de que seriam todos eles, os meus minutos, passados numa lata-de-sardinha da linha 426-usina-copacabana, que era mais como um romance do século dezoito, em que se tornava impossível saber onde começava um indivíduo e terminava o outro, só que em versão gang-bang-orgia século vinteeum. E, naquela promiscuidade que é sobretudo moral, o pensamento mais distante que me ocorria era a possibilidade de levar um tiro durante a aula da noite. Do meu lado, ia uma mocinha mais ou menos da minha idade com a expressão de enfado semelhante à minha. Estavamos tão colados que comecei a ficar enjoado de seu perfume – e a imaginar se lhe incomodaria o cheiro do meu dia de trabalho. De qualquer forma, era tal a disposição das pessoas ali, que mesmo ela sendo bem bonitinha, o desajeitado contato entre nós era bastante incômodo. Bom, é claro que eu me regalava com o fato de não passar a mesma situacão com um operário suado; mas era só. Da janela da sala, só se o cara atirar de propósito: a subida do morro é pro lado de lá… se bem que tem a PM… e aqulela viatura na porta?, se rolar um tiroteio ali, batata!, pum, bem na minha cabeça… mas se eu sentar no fundo, o prédio do lado me protege… ih, nessa aula eu tô cheio de falta… melhor sentar na frente pra fazer um conceito com o Márcio. Só que produção é dose… cara, que sono é esse? se bobear, eu durmo e aí o sujeito me reprova de vez… De repente, tocam a campainha e, ao meu lado, o estalo da cordinha contra o teto engordurado do ônubus me desperta de meus questionamentos tático-curriculares: é a menina que vai descer, levando seu perfume adocicado demais e sua loirice de perua. Me desloco o que me é possível pra facilitar sua descida e, TCHUM!, quequiéisso?, não é que a menina me tasca a maior mãozada na BUNDA? Surpreso, olho, mas ela já tá mais na frente. Só quando vai sair é que ela me dá um sorrisinho rápido e debochado. E desce. Eu ficoque nem bobo até acabar a viagem dois pontos depois.
Tá vendo? Brincadeira, né? Quer dizer, não que o troço me incomode, nada disso; é até bom pro ego e coisa e tal. Mas, e se fosse eu que passasse a mão na bunda dela? Tava arriscado levar um tapa na cara e, além de ser humilhado com lições de moral, de ser acusado de misoginia, ainda ter que encarrar a reprovação nada discreta do resto de ônibus… Isso se não resolvessem me linchar, o que eu sempre acho bem possível… Com a sorte que eu tenho… Nem quero entrar em discussões mais complicadas sobre o “papel da mulher emancipada na sociedade” e sobre o que exatamente elas querem dizer com “igualdade”; mais simples e mais sintético que isso,
QUERO MEUS DIREITOS! TAMBÉM QUERO PASSAR A MÃO NA BUNDA!
[…e não ser chamado de machista e grosseirão por causa disso.]