"Eu não julgo as pessoas." Nunca vi asneira maior. Não sei se é falta de consciência, ingenuidade ou tolice, mas dizer isso é um absurdo só. Como não julga? Como, então, você escolhe amigos e elege desfetos? O que é "não ir com a cara" de alguém? Seria como acreditar-se livre de preconceitos – aliás, outra prática muito comum. Sorte que, nesse caso, a lógica dá uma mão na minha exposição: sobre o que conhecemos e temos contato formulamos conceitos; como não conhecemos a esmagadora maioria do que há no mundo, temos muito mais preconceitos do que conceitos e, assim como estes, são aqueles que nos fazem ser quem somos. Julgar é o que nos faz formar tanto os conceitos como preconceitos, e a forma como julgamos é a expressão máxima de nossa personalidade. Assim, conhecer os próprios critérios e estar ciente desses mecanismos, acredito, me faz mais senhor da minha pessoa.
Comigo, é pelos olhos. Digo, que eu julgo as pessoas. Pelo menos num contato inicial. Eu escolhi assim. Preciso dizer que, apesar de às vezes me surpreender – e fora dois ou três erros grosseiros –, tenho acertado. Acaba sendo um critério bastante funcional. [Ah, não abra a boca pra me chamar de escroto. Antes, descubra que mecanismo você usa pra filtrar o mundo.] Por mais batido que seja. O brilho, a agudeza. Ou a opacidade, o olhar raso, tudo logo ali. E como queda-de-braço; Tem uns que olhares que se opõem ao meu, um querendo desvendar o outro, dando volta. Já outros, não têm qualquer resitência... São só uns buracos. E não tem nada a ver com sustentar o olhar. Já encontrei olhares tímidos que quase me furaram as retinas nos poucos instantes em que conseguiram cruzar com o meu e olhares incisivos mais vazios de significado do que o de um cão.
Mas não é que outro dia, no espelho, cheguei à conclusão que meus olhos não brilham? Eles são muito pequenos, dois rasguinhos estreitos, e a luz não lhes incide pra que eles possam refleti-la. É uma terceira categoria: escudos. Uns poços de piche. Daí, estranho, fiquei me perguntando, e se eu me visse, de repente, na rua? Será que eu ia procurar mais alguma coisa nesses pedacinhos de carvão? Será que eu ia engrossar a lista dos meus enganos retumbantes? Ou, mais uma vez, ia acertar? "Não tem nada ali"?