Sete nomes. Eu tinha sete nomes. Era comum na minha época. Mas eu perdi. Cada um deles. Esqueci esqueci-onde. Talvez tenham fugido, afinal. Inventei um novo, alguns novos; uns depois dos outros, mas agora um de cada vez. Também perdi, esses aí. Aí resolvi: um número. Um – escolhi esse, a troco de nada; pra não esquecer. Se eu tiver dúvida, é só começar a contar que eu lembro. Por isso o primeiro. Podia ter escolhido sete, mas não; um dia vou esquecer isso aí também. Mas isso, esse nômero, serve só pra mim: nunca ninguém me perguntou. Só na minha época. Hoje, um nome é menos importante que àquela altura; as pessoas tem poucos nomes, mas existem muitas pessoas. E eu não sei o nome de nenhuma. Nunca perguntei. Nem na minha época.
Esquece isso! Tudo que conta agora é o branco da sua pele. Tentei pensar em outro paralelo, mas tudo que consegui foi marfim. Mesmo após todo esse tempo, tantas palavras – palavras que nem existem mais, outras que recém-nasceram –, é marfim o que mais me parece adequado. O tom exato. Ainda se acentua com a transaparência da pele: a trama verdeluzente raiando o branco como as fissuras enegrecidas ao marfim. Tão fina… Parece capaz de ceder ao toque. Mas, que idiota eu sou, que pele não cede ao meu toque? Vi crescerem e morrerem, seu pai, o pai de seu pai, ainda o pai desse aí e muitos outros pais antes deles. Morreram todos; de velhice e acidente, de inocência e cansaço, por assassinato e por culpa. Por vontade ou desistência. Vi essa terra nascendo e provavelmente vou vê-la morrendo. Mas nunca, mesmo olhado pras pessoas desse modo desde que há pessoas, vi uma pele assim. Vamos, não me olha assim. Não é tão absurdo o que eu digo. Eu sei que você entende. E, se te digo isso, é por que é verdade: um branco tão delicado que, quanto mais me sinto atraído por ele, mais me sinto culpado em destrui-lo. Queria poder consumi-lo sem extingui-lo. Porque, aí, ele só vai existir na minha memória – o que é uma perda pro Homem como espécie. Contudo, pelo menos não há a possibilidade de eu esquecê-lo, o branco da sua pele, como esqueci o meu nome; quando se vive, ou melhor, quando se existe por tanto tempo, os nomes se mostram coisas sem significado. Tanto vivi que nenhum deles me comportaria; às minhas memórias. Sim, porque, eu não disse, mas minha memória não é ruim! Não: ela só não pode reter tudo que essas cansadas retinas, às quais nem um último fulgor de inocência ilumina, já lhe imprimiram. Assim, foram-se os séculos, ficou pra trás o que não tinha mais uso. Mas uma pele como essa, isso eu não posso esquecer. Nem que eu quisesse – e não há jeito de eu querer. Se meus nomes me dessem forma e me definissem como essa pele te define, eles estariam todos aqui, comigo. Bem, eu já falei mais do que devia. Mais do que em todo o século passado, se bem me lembro. Agora, tenho ainda mais fome. Essa eterna, maldita fome de sangue roubado... Mas saiba: você é certamente a mulher mais linda que eu já vi – e isso, no meu caso, é muita coisa.
Dentre tantos pescoços mordidos, é o seu o que nunca vou esquecer. E isso, no meu caso, é muita coisa.