Acho que chamam o período musical ao qual o Satie pertenceu de pós-romantismo. Ainda me parece bastante romântico. Sim, na forma há muito que se observar, há diferenças; mas o olhar, esse me parece o mesmo. Talvez por proposições pós-românticas, Gnossiene é uma música simples. Em seis partes. Melodias simples, harmonias nem tanto. Mas, antes disso, ela me parece simples no que diz. Aliás, mesmo musicalmente, não é das obras de maior importância na história da música. Existem proposições mais ousadas, outros foram mais longe, independentemente do período. É uma obra de narrativa clara e bastante pictórica. Conscientemente e estilisticamente: simples. Engraçado, inclusive, que – talvez pela grande associabilidade da melodia – Satie é, num determinado microcosmo, uma espécie de fenômeno pop. Que o diga Gymnopedie.
Concluí então, aos meus 19 anos, que devo ser uma pessoa simples – por vezes acredito, mesmo simplória. Isso antes de saber que a música se chamava Gnossienne, antes de saber ao certo quem era Satie, porque, me lembro, quando a escutei pela primeira vez – culpa do Malle, filhodaputa –, cheguei a ficar sem graça. Era eu! Cheguei a ficar constrangido, pesquisar, nas cadeiras da sala de projeção escura, se me olhavam. A mim ou ao holofote, aceso de pino sobre a minha cabeça. Outro dia, me perguntava como diabos o Satie podia me conhecer tanto se nem minha mãe existia quando ele compos a tal música. Cacete.
Pra mim, uma das características mais importantes na expressão artística é a violência. E é impressionante o que há de violência em Gnossienne. É lindo. Tenho pesquisado na net; baixei umas 5 ou 6 versões. Em uma delas, cujo intérprete desconheço – não há indicação –, ouvi um dos melhores trabalhos de dinâmica ao piano que já observei. Similar aos do Kissin. Impressionante como o cara soube ressaltar essa violência, que tá na música toda, nas suas constatações, nas suas ilustrações. Na sua tristeza. No arrebatamento da sua beleza solitária.