Não achou graça nem no trocadilho. Olhava pra ela, dormindo pesado ao seu lado. Ela-dormindo-pesado-ao-seu-lado parecia contente. Talvez estivesse mesmo. Via como, enquanto ela respirava tão delicadamente que mal se ouvia, era só a ligeira mudança na curva que de sua cintura passava pro quadril que denunciava vida naquele quarto. Nele, nada. Ora a curva parecia querer sumir, tender ao horizonte; ora, voltava a se acentuar no profundo vale entre as costelas e as ancas dela, deitada de lado, de costas pra ele. Ritmadamente, a vida naquele quarto; nele, nada. Pensou em acender um cigarro, pra que outras curvas, fumaça:. Mas não, desistiu. Um pouco triste. Achou que talvez pelo próprio corpo, que, embora jovem, definhava dia após dia em alguma cadeira por aí e que – não se movimentava ao respirar – não merecia o viço daquele outro ali, ao seu lado. Não. Não era esse o motivo. Não estava triste; antes vazio. Vazio. Comparava aquilo ao ímpeto de pouco antes; tanta vontade, força. Tanta determinação: um objetivo imediato e um foco. Raiva e também carinho. Sentia. Sentimentos e sentidos. A vida se resolvia naquele embate, em cada movimento, em cada ação de humilhação e adoração daquilo que parecia se elevar ao divino. Agora, nada. Vazio. Tanto, e em troca, ficara-lhe apenas lucidez. E lucidez é ainda pior que o nada. É o que nos faz vê-lo. Enxergou a si como uma bexiga de encher a que uma criança tivesse deixado escapar o ar após encher ao máximo. Brincadeira leviana; antes, vazio, com as outras bexigas no supermercado, não se sentia tão oco. Talvez estivesse, estava, mas não sabia. Teria preferido estourar. Quando estava cheio, o máximo!, POU! E lá se teria ido uma bola feliz. No entanto... De novo, cogitou o cigarro. Mas a fumaça também não iria encher a bola. Não de novo, depois de tão esticada.
Estava em casa. Mas sentiu vontade de ir embora antes que ela acordasse. Ou de ficar, e tentar de novo, e de novo, e ainda, até estourar. Não se decidia.
Estava em casa. Mas agora seu vazio não cabia mais naquela casa.
Foi embora. Pensado que, se pelo menos fosse um balão de gás, ...
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[POST-SCRIPTUM: Será que eles estouram, lá no alto?]