HÁ FLORES POR TODOS OS LADOS ou A PROMISCUIDADE É UM TROÇO SINCERO
Disse o Garcia Marques que A promiscuidade é a pior forma de solidão. Ou algo como isso, não sei exatamente; de todo jeito, tanto já repeti isso aí que agora é assim mesmo. Tenho 27 anos, sou solteiro e moro num balneário turístico terceiromundista acometido de gigantismo, imerso num calor pastoso e obsceno e em meio a pessoas cuja vontade esse conjunto desidrata. Tenho que saber de quê o moço fala. E eu sei. Já me perguntei muitas vezes por que a "pior forma"; encontrei diferentes respostas, todas em maior ou menor grau inapropriadas e, ainda assim, exatas. Algumas eu esqueci, outras mudaram; a maioria persiste. E, ainda assim, se você me perguntasse agora eu não saberia enumerá-las. Mas eu sei – não sei é dizer, entretanto tá por aqui, na casa vazia, em algum lugar. (Desculpem se eu não me der ao trabalho ir de procurar.)
De qualquer forma, de canto de olho, eu enxergo o troço passando e é sempre mais um pedaço da resposta que insiste em me pular no caminho. Umas das primeiras coisas que me ocorreram, muito tempo atrás, é que, logo de cara, a promiscuidade é menos recompensante que a solidão do recluso ou do paciente porque ela envolve busca. Por conseguinte, frustração, como em qualquer método de tentative-e-erro. Depois, existem trocentas outras respostas, tão óbvias quanto essa, que ilustram mais ou menos canhestramente um outro ponto: por mais que se ganhe, a única pessoa que sabe o quanto – e o quê – se perdeu é você mesmo; é você que sabe quantas bocas, quantos corpos, o que foi bom e o que não e a energia dispendida pra objetivar cada coisa. A impressão que me dá é que sempre se perde um pouco, que eu sempre deixo algo além de porra pelas camas dos moteizinhos baratos. E, fora bom sexo, é pouco o que se ganha – mesmo que talvez seja imprescindível. É muito solitário sempre encontrar um rosto novo ao abrir os olhos, sempre um cheiro novo, um novo nome que se corre o risco de esquecer. Como hábito, é vazio. Talvez não pra todo mundo, não pra quem simplesmente não espera nada. Ou já não espera.
O mais recente aspecto disso que me surgiu foi particularmente doloroso. Passa por um sentimento sério de não-existência. De intangibilidade, apesar de tudo. Digamos que eu saia de casa com meu sorriso de Carinha-legal ;posso encontrar meninas e, se der sorte, alguma delas vai estar querendo mesmo um Carinha-legal. Se der sorte mesmo, ela ainda vai me achar um Carinha-legal-e-bonitinho. Cabe a mim outra avaliação de igual profundidade sobre ela. No decorrer dos primeiros contatos – ou da noite – o interesse pode se aprofundar e ambos podemos acrescentar ao nosso juízo mútuo o grau de interessante. Sorte. Sexo. Suponhamos assim, uma situação ideal, reproduzida em laboratório. Suponhamos também que a noite termine muito bem. Que legal, uma boa foda!
Mas depois de algum tempo, faz falta encontrar nos olhos das Menina-legais-bonitinhas-e-interessantes algo que me diga que eu sou mais que um simples Carinha-legal. Algo que eu tenho saudade de que encontrem em mim. E, sem isso, é bastante complicado achar nelas certas coisas. No fundo isso é uma expectativa bastante idiota, eu sei. Mas é chato saber que, sim, é claro, eu posso ligar depois e provavelmente marcar de novo com ela e que ela vai até achar legal, mas que no fundo, não faz diferença. Simplesmente não faz.
Multiplique isso por N e tá tudo aí, a promiscuidade.
Meio triste, né? Ou não. Sei lá. Pelo menos ninguém precisa se enganar. Talvez o ideal seja não esperar nada. Talvez isso nem seja uma escolha. Autodestruição. Sincera.
Alguém me escreveu, uma vez: "Você revira na cama e me abraça forte pensando em outra. Em todas. Em uma mulher sem rosto que é todas e nenhuma."
Queria poder responder alguma coisa.
[Aos que aparecerem, desculpa a amolação. Esse texto não tem nenhuma pretensão de ser profundo ou elaborado. Só precisei escrever. É provável que seja ficcção.]