A luz dolente me vem buscar os olhos entre pálpebras, cansaço e algo que um dia foi sono. Sonho não. Desde a infância. Tudo isso, atravessado, cede; o dia se abre. Sou tomado pelo único momento de sinceridade do ser humano – ou do dia, quem sabe? –, 3 ou 4 solitários segundos de quem acorda. Neles, é justo supôr, deve estar toda a pouca franqueza do mundo, alguma verdade, se há. E, nesse intervalo, nesse espasmo de tudo, onde me sobra apenas o meu mínimo ato, meus olhos só sabem procurar. Algo que nunca acharam,
que sequer advinham,
mas que, sozinhos,
inquietos,
procuram.
E o dia começa;
uma fome que não há
e a higiene que não limpa
nem o corpo
nem o ontem,
trazem de volta tudo
que quase se pôde fingir afogado
no dia anterior.
Qualquer sorte de espólio,
de mácula,
qualquer coisa que ficasse melhor guardada,
mas que a manhã vem cobrar,
na carne,
no espelho
e na memória.
Encerrou-se o prelúdio,
e a trama começa,
num ponto de ônibus,
na madrugada que esqueceu de ir embora de um canto de calçada,
no bar que ainda não abriu.
O dia me escorre pelos olhos,
por vezes deles,
lanhando pele, ânimo
e lealdade.
Eu escorro pelo dia.
De ônibus em ônibus,
carro, esquina.
Nota suja, mão gasta, olho turvo,
a ponto de não saber dizer
se o taxi que explode no túnel
é acidente
ou coágulo no fluxo das horas.
Escorro. Até me depositar
no mesmo ponto de onde me lancei nesse tolo precipício,
no mesmo buraco de calçada onde o tempo cisma em não passar,