Certos momentos da vida deviam passar em câmera lenta.
Chove muito, eu mal enxergo a luz dos postes. Por mais que arda, por mais que doa, que a respiração me corte e eu arfe descontroladamente, não posso parar de correr. Nem consigo. Nem quero.
Meus joelhos estão inchados.
Ja escarrei sangue três vezes.
Uma hora essa porra estoura.
Acho que é só isso que eu quero agora.
O que eu tinha pra deixar, ficou com ela – mas eu nem sei se existia mesmo algo pra ficar. O que era plano especulação esperança alegria insegurança dor dúvida espelho depois tristeza pretensão caiu pelo caminho. O que bom e ruim. Ela chegou a ver. De toda forma, nada disso importa mais. Eu só tive que correr, assim como o mundo teve que chover. E como o coração vai ter que estourar. Eu já tropecei; ja larguei dente no asfalto, rasguei as palmas das mãos (elas agora suam vermelho).
Só não tenho lugar pra ir, onde chegar, ninguém me esperando. Tudo passa. A chuva cai com tanta violência!, muito barulho, no asfalto, na minha cabeça, tlac-tlac-tlac-tlac, pipocando e ressoando, e eu não ouço o que eles dizem, eles que passam de vez em quando. Quando chove muito, as pessoas não saem de casa. Eu prefiro mesmo estar sozinho nessa hora.
Mas é absolutamente imprescindível! Absolutamente, que o coração arrebente antes que amanheça, e principalmente antes que pare de chover. Sem vírgula. Em mim, tem que chover pra sempre.
Quero vomitar tripa, quero deixar pele ralar no asfato como tinta; quero meus cabelos empapados de chuva e suor me colando na cara, na frente dos olhos; quero estar surdo pra tudo que não for batida e pingo.
E, no momento, eu quero com câmera lenta. Uma luz bonita, essa de agora, e câmera lenta.
Como se eu tivesse um lugar pra ir e tivesse quase chegado lá – mas não deu!
E um único som mais alto que o da água castigando meu corpo e a cidade;