Eu, que tenho fome que não se cura com pão e muito menos com a paga genorosa que tanto me quiseram dar pelo meu pão aqueles que aceitaram esse como o próprio sustento, ainda que por pouco tempo.
Eu, que sempre quis me desvencilhar das minhas crenças mais arraigadas – justo por sabê-las sempre equivocadas, absurdas, perigosas.
Eu, que cheguei a me acreditar livre delas, e mais ainda da necessidade delas, da vontade burra, e mesmo torpe, de alimentar o abismo impossível de suas equações.
Mas não, eu também ameaço a mim, eu também acredito nos estratagemas que, de tão articulados, parecem até de outro empenhado em me enganar.
Iludi-me como há muito não me iludiam. Acreditei exatamente no que contava não acreditar e, sob pretexto de evitá-lo, fiz exatamente aquilo de que pensei poder me resguardar.
Mas é mesmo pretensão demais achar que é possível se evitar a vida toda. Nisso reside toda a intransitoriedade da diferença nem sempre clara, nem sempre compreensível e, sobretudo, nem sempre explicável, entre os verbos ser e estar.
Tenho vergonha.
Da minha crença, claro!, antes de tudo, mas principalmente de tê-la mais outra vez – meudeus, e quantas ainda? – levado a cabo. Ter sido vergado sem nem perceber. Deixado que ela intercedesse por mim.
Tenho vergonha, não do que disse, mas de ter dito; não de ser, mas de vazar e querer vazar; não da minha verdade, mas por acreditar nela.
Não!, não mudaria uma palavra. Mas talvez as guardasse todas pra mim.
E é só a mim que eu devo desculpas por tê-las dado.