– E você sabe o que isso me lembra? A tal menina da bicicleta. – Hã? Ah. É. Talvez. Por causa do muro tomando rápido meu destino e meu campo de visão. – Ahahahaha. É um palhaço mesmo. Mas cê já pensou no trajeto dela? Digo, em como foi que a cada longo segundo ela se sentiu não conseguindo fazer a única escolha que podia fazer. – Foi medo. É fácil entender o medo. Né? O que é irônico, no fundo, é se arrebentar justamente por conta do medo de. – Trágico. Se ela tivesse tido mais tempo, talvez. – Não. Ela não faria algo diferente do que fez. Talvez em outro momento da vida, mas nem sei. E não é trágico. É? Pra mim é só essa sua mania de ver sublime no trágico. E de ver trágico em tudo.
[Dá o último e joga o filtro. Pisa.] [Me olha devagar. Solta de novo.]
– Quero dizer é entendo. O mecanismo do pensamento dela enquanto descia a ladeira sem freio. Mas sim, eu acho trágico que ela tenha esperado um melhor momento que não viria. – Tenho pensado muito naquilo do pântano. – É uma bela figura. Eu gosto dela. – Vou usar. Mas o que acontece é que é muito sincera. – Talvez seja por isso que não há melhor momento. Pra pular da bicicleta. O anterior é sempre melhor, melhor, e vão todos passando assim [faz com as mãos o tempo passando] e enquanto isso você não consegue deixar de ver que o melhor momento foi o primeiro. TUM – Se eu fosse grego, acharia que cê tá falando da vida. TUM – Palhaço. Não sou tão trágico. O pântano, sim. Você devia fazer uma TUM camiseta: entre por sua conta e risco. TUM – E sou eu o palhaço...
[Só sorri] [As batidas na porta continuam. Não nos mexemos pra abrir]